quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

"Nós não perseguimos nazistas, nós perseguimos assassinos", dizem promotores alemães

"Nós não perseguimos nazistas, nós perseguimos assassinos", dizem promotores alemães

Benjamin Schulz
Promotores alemães estão atualmente preparando a apresentação de queixas contra vários homens que teriam sido cúmplices de assassinatos em Auschwitz. Algumas pessoas na Alemanha se perguntam se justiça ainda pode ser feita quase 70 anos depois da guerra.
Poderia proporcionar alguma satisfação, mas ela provavelmente será pequena e virá tarde demais. Décadas após o fim da Segunda Guerra Mundial, os promotores públicos em Stuttgart, Frankfurt e Dortmund abriram investigações contra nove idosos que supostamente teriam sido cúmplices de assassinato em Auschwitz.
Os procedimentos legais ainda estão nos estágios iniciais e os homens ainda não foram formalmente indiciados. Dada a idade avançada dos homens e as acusações potenciais, é no mínimo curioso o fato de juízes terem ordenado a prisão de três suspeitos em Baden-Wurttemberg, que agora estão detidos em hospitais-prisão. Nesses casos, o risco deles cometerem crimes adicionais pode ser descartado. Além disso, eles dificilmente apresentam risco de fuga e é improvável que escondam evidência.
Ampliar

Homenagens marcam o Dia Internacional em Memória às Vítimas do Holocausto13 fotos

12 / 13
27.jan.2014 - Homem visita memorial coberto de neve em Berlim no Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. O genocídio promovido pelo regime nazista é lembrado na data de libertação do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, há 69 anos Leia mais Markus Schreiber/AP
Os detalhes precisos dos casos deles variam, mas as intenções dos investigadores permanecem as mesmas: eles querem indiciar e julgar os homens por crimes que teriam cometido na juventude.
Alguns críticos dos procedimentos estão dizendo que é hora de um basta. A guerra acabou há 70 anos, esses homens estão fragilizados e, em alguns casos, até mesmo sofrem de demência. Na melhor das hipóteses, lhes restam poucos anos de vida. Essas vozes argumentam que eles deveriam ser deixados em paz e que os promotores públicos deveriam cuidar de problemas atuais.
"Eu entendo que em alguns casos as pessoas não achem que esses procedimentos são justos", disse Kurt Schrimm, chefe do gabinete da promotoria especial em Ludwigsburg, que se concentra nos crimes de guerra alemães cometidos durante a Segunda Guerra Mundial. Ele diz que muitos "consideram nosso trabalho como sendo anacrônico". Mas, ele acrescenta, ele tem recebido muitas mensagens de apoio.
Do ponto de vista legal, há dois argumentos para rebater os céticos. Segundo a lei criminal alemã, não há limite máximo de idade para julgar alguém. Além disso, homicídio não é um crime sujeito a prescrição. Os promotores públicos são obrigados a perseguir os suspeitos e não lhes é permitido discrição.
O argumento moral é formulado por Andreas Brendel, que comanda a unidade central de investigação de crimes de guerra em Dortmund desde 1995. Ela já cuidou de dezenas de casos como esses, incluindo alguns poucos ligados a campos de extermínio. Ele também é responsável por um dos atuais casos. "Nós temos uma obrigação com as famílias das vítimas e com as próprias vítimas de buscar isso", ele disse. "Isso é incontestável. Não importa para mim se o acusado tenha 25 ou 92 anos. As pessoas acham honestamente que não deveríamos processar pessoas que fizeram parta da máquina nazista?"
Schrimm também responde aos céticos. "Nós deveríamos nos abster de processar agora só porque não conseguimos processá-los no passado?", perguntou. Ele cita o exemplo de um caso no qual as listas de transportes para Auschwitz foram peças de evidência decisivas. "Elas incluíam tanto bebês de seis meses quanto idosos", disse Schrimm. "Os perpetradores na época não tinham nenhuma compaixão, de modo que é justo perguntar se eles merecem alguma piedade hoje."

A culpa individual deve ser provada?

Nos casos em que as investigações se tornam acusações e vão a julgamento não é incomum os promotores perderem. Em alguns casos, o julgamento é suspenso e as acusações são retiradas, como no caso de um ex-membro da SS, Siert B., que foi absolvido por um tribunal em Hagen em janeiro. Os promotores acreditam que ele assassinou um membro da resistência holandesa em 1944, mas os juízes o absolveram citando falta de evidência.
Em outros, o réu morreu antes do veredicto ser proferido, como aconteceu no caso de John Demjanjuk. Ele morreu em março de 2012, antes do Tribunal Federal de Justiça da Alemanha proferir a decisão final de sua apelação de uma condenação pela acusação de ser cúmplice no assassinato de 28 mil pessoas.
O caso Demjanjuk é digno de nota porque marcou um momento de virada. Apesar dos promotores não terem conseguido provar envolvimento direto, um tribunal regional de Munique condenou Demjanjuk após ter concluído que todo guarda no campo de extermínio de Sobibór que cumpriu seus deveres foi cúmplice nos assassinatos.
Antes, a culpa individual era considerada necessária para uma condenação. Essa ao menos era a percepção da comunidade legal após uma decisão de 1969 do Tribunal Federal de Justiça, na qual a condenação de um dentista de um campo de concentração da SS, Willi Schatz, foi anulada. Mas o Tribunal Federal de Justiça também chegou a outros veredictos que abriram a porta para considerar os guardas culpados. Milhares de casos não tiveram andamento por causa da abordagem legal conservadora do gabinete da promotoria especial.
Diante da dificuldade extrema em provar a culpa individual décadas depois, muitos processos foram abandonados. Mas se os argumentos legais feitos pelo tribunal regional de Munique na condenação de Demjanjuk fossem aplicados a outros casos, haveria uma nova chance de conseguir as condenações.

"Nosso trabalho não é político"

Atualmente, documentos estão sendo revistos em várias investigações de suspeitos de serem criminosos nazistas, que foram encerradas pelos promotores por sentirem que havia pouca chance de condenação.
Em alguns casos, os investigadores não estavam cientes de material potencialmente incriminador. "Eu nem mesmo sabia que ainda existiam listas de perpetradores antes da unidade de investigação de crimes de guerra nazistas entregar material para mim", disse Brendel. "O mesmo se aplica a outros promotores públicos. Poderia ser debatido se alguém deveria ou não ter olhado mais atentamente essas listas 25 ou 30 anos atrás."
Certamente as investigações de crimes nazistas tiveram um começo lento na Alemanha pós-guerra. Até 1950, os aliados que ocupavam o país se encarregaram de processar os crimes nazistas. Depois disso, "havia a suposição de que o assunto seria resolvido em questão de poucos anos", ele disse, porque o prazo para prescrição de um crime de homicídio era de 20 anos, o que significava que os crimes nazistas teriam que ser julgados até 1965. Posteriormente, a prescrição foi ampliada para 30 anos e depois eliminada.
Também há casos que só vieram à tona décadas depois. Em 1997, Schrimm se envolveu na investigação de crimes nazistas na condição de promotor. A pista veio na forma de um cartão postal que incluía informação sobre "um crime do qual ninguém ainda sabe". O perpetrador acabou sendo processado mais de 50 anos após o fim da guerra.
Schrimm rejeita a afirmação repetida com frequência de que a Justiça alemã fechou seus olhos para suspeitos, adiou intencionalmente os procedimentos ou até mesmo ignorou alguns casos. "É tolice dizer que faltou vontade política", ele disse.
O Ministério da Justiça alemão declara que foram 106 mil processos relacionados a crimes nazistas. Algumas estimativas chegam até a 170 mil. "Realmente não dá para dizer que a Justiça dormiu no trabalho", disse Schrimm. Ele também defende contra a insinuação de que os procedimentos são motivados por alguma agenda pré-estabelecida. "Nosso trabalho não é político", disse. "Eu não gostaria se eu fosse descrito como um caçador de nazistas. Nós não perseguimos nazistas, nós perseguimos assassinos."
Diferente dos anos 50, hoje nós sabemos que em breve os processos contra suspeitos de serem criminosos de guerra nazistas chegará ao fim; os últimos perpetradores vivos em breve morrerão de velhice. Ao ser perguntado se, a essa altura, os promotores públicos ficarão expostos a acusações de que permitiram que os nazistas escapassem impunes por seus crimes de guerra, ele dá uma resposta circunspecta. "Falando objetivamente, erros foram cometidos ao longo de décadas, a partir de 1950", disse Schrimm. "O Judiciário não pode dar um tapinha em suas próprias costas."
Tradutor: George El Khouri Andolfato

Nenhum comentário:

Postar um comentário