terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Suzana Herculano-Houzel

folha de são paulo
Piscar descansa o cérebro
Quase 10% do que se passa enquanto estamos acordados some para o cérebro porque piscamos
Há quem ache um desperdício passar um terço da vida dormindo. Esses talvez achem um desperdício ainda maior descobrir que quase 10% do que se passa enquanto estamos acordados efetivamente some para o cérebro --simplesmente porque você... piscou.
É isso aí. Piscar tem potencialmente um custo cognitivo: uma fatia de pelo menos uns 200 milissegundos de informação é obliterada enquanto os olhos giram dentro das órbitas (pois é, eles giram quando você pisca e você nem nota). Piscamos naturalmente cerca de 15 a 20 vezes por minuto, ou seja, a cada 3 ou 4 segundos, em média.
Fazendo as contas, lá se vão ao menos 4 segundos de informação visual a cada minuto.
Para que piscar tanto? A suspeita inicial recaía sobre a lubrificação natural da córnea, mas isso requer bem poucas passagens das pálpebras sobre os olhos por minuto.
Uma equipe japonesa, após notar que tendemos a piscar naturalmente em momentos que permitem interrupções na atenção --como o fim de uma frase no jornal, a pausa de um palestrante e cortes de edição em vídeos-- suspeitou que piscar fosse uma maneira de "relaxar" o cérebro da demanda de atenção de se manter engajado em uma determinada tarefa.
Para testar essa possibilidade, a equipe convidou voluntários a assistir a clipes do seriado Mr. Bean de dentro de um aparelho de ressonância magnética funcional, prestando atenção aos clipes para responder a perguntas depois.
Enquanto isso, os pesquisadores mediam a ativação e desativação de dois conjuntos de regiões no córtex cerebral: umas relacionadas à atenção, e outras, ao contrário, cuja atividade é maior justamente quando não estamos engajados em tarefas que envolvem o mundo externo, permitem a introspecção. Esta última região é chamada de "rede padrão" do cérebro, por consistir na atividade de quando não interagimos com o mundo de fora.
Como esperado, voluntários diferentes tendiam a piscar nos mesmos momentos dos clipes: cortes naturais na história, quando o custo cognitivo de bloquear informação visual é menor. E, de fato, nos segundos após piscar, a ativação da rede atencional diminuía, enquanto a ativação da rede padrão aumentava --e depois voltava ao normal.
Piscar, portanto, abre uma janela de descanso da demanda atencional, uma interrupção que também facilita a mudança de foco de atenção. Faz sentido: você já notou que quase não pisca quando está muito concentrado?

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