sábado, 8 de março de 2014

Os direitos avançam para todas as mulheres?

folha de são paulo
ALINE KÁTIA MELO E BIANCA PEDRINA*
TENDÊNCIAS/DEBATES
Os direitos avançam para todas as mulheres?
NÃO
Nós, moradoras da periferia
O direito à moradia adequada é essencial para a efetivação de todos os outros direitos destinados às mulheres. Para aquelas que moram na periferia, a distância faz o transporte virar um sufoco. Andar pela rua sem iluminação transforma o caminho em medo. Não ter a casa no próprio nome é sinônimo de redenção ao marido agressor ou, então, aos altos preços do aluguel.
A mulher pobre, que ganha comprovadamente menos do que o homem pobre, tem destino certo, a periferia. Para ela, o recorte de gênero vem acompanhado do recorte de classe, e o que sobra é a moradia mais afastada.
Muitas são chefes do lar: 20% das famílias brasileiras são sustentadas pelo sexo feminino. Ainda assim, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em média, as mulheres ganham 28% a menos do que os homens.
Resta-nos, então, a casa perto do córrego que transborda ou nas encostas dos morros que desmoronam com a chuva. O lar vira sinônimo de algo sempre em construção, o sonho de o barraco ser de tijolo e do bloco ganhar reboco.
Moramos na casa da sogra e limpamos a da patroa esperando, um dia, cuidar da nossa. Vivemos do trabalho como diaristas, costureiras ou operadoras de telemarketing. Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) de 2011 mostram que 92,6% dos 6,6 milhões de trabalhadores nos serviços domésticos eram mulheres.
A pouca remuneração não nos permite conseguir um financiamento. Sem opção, esperamos por cada chamada do CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano). Perdemos a esperança quando não entoam o nosso nome durante os sorteios.
O aluguel remedia a falta do teto. Temos, porém, prioridade nos programas de habitação popular. Cerca de 47% dos contratos da primeira etapa do Minha Casa, Minha Vida foram assinados por mulheres. A facilitação do crédito, no entanto, veio com a especulação imobiliária, que aumenta os preços e nos empurra para ainda mais longe.
A periferia agora recebe megaeventos. Na zona leste, a valorização dos imóveis subiu mais de 40% desde o anúncio da abertura da Copa do Mundo no Itaquerão. Moradores da Favela da Paz, próxima ao estádio, terão que deixar o local onde moram há mais de 20 anos.
Quando finalmente alcançamos casa própria, é no improviso. Vamos administrando a goteira com o balde, o mofo com a pintura a cal, a enchente com o içar dos móveis. Esgoto a céu aberto e rua sem asfalto também esbarram no direito à moradia. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) apontam que quase 40% da população não tinha acesso a rede coletora de esgoto em 2012.
O direito à moradia inclui ainda outras vulnerabilidades, como a violência doméstica. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre 2009 e 2011, mostra que o Brasil registrou 16,9 mil mortes de mulheres por conflito de gênero.
Todas essas dificuldades não tiram nossa garra. É nos movimentos de moradia que botamos as mãos na massa --para garantir, assim, a efetivação de outros direitos das mulheres. Se o Estado não oferece, é na mobilização que fazemos valer o nosso direito.
E apesar de tudo o que é negado a nós, mulheres da periferia, não desistimos da batalha para termos um lar e fazemos da labuta diária a nossa morada.
ELEONORA MENICUCCI
TENDÊNCIAS/DEBATES
Os direitos avançam para todas as mulheres?
SIM
Cidadania para as mulheres
A conquista de direitos iguais para mulheres e homens é hoje uma urgência para a democracia e para o desenvolvimento do país. Se as brasileiras são pouco mais da metade da população e mães da outra metade, como pode o país emancipar-se por inteiro sem a igualdade e equidade de gênero?
Um exemplo revela quão injusta é a situação das mulheres ribeirinhas. Recentemente, a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM/PR) fez extensa viagem piloto pelo arquipélago de Marajó, nas agências-barco da Caixa. O objetivo foi diagnosticar a situação das mulheres.
Ali, a violência contra elas chega ao ponto de parecer um direito masculino passado de pai para filho. Isso espelha valores patriarcais existentes na verdade em todo o país.
É por isso que as políticas públicas que vêm sendo implementadas pelo governo da presidenta Dilma Rousseff buscam romper com os preconceitos sexistas.
A criação da SPM em 2003 colocou claramente para a sociedade que as reivindicações delas, longe de serem questões privadas, são na verdade uma exigência de justiça, de democracia, de direitos humanos.
Dois anos depois, tivemos a criação do Ligue 180, para o atendimento telefônico 24 horas por dia de mulheres em situação de violência --e, em 2006, da lei considerada pela ONU como uma das três mais avançadas do mundo, a Maria da Penha.
O governo federal vem implementando políticas públicas que enfrentam a violência de gênero em todas as suas formas. Simultaneamente, fortalece políticas de autonomia econômica e de articulação responsáveis, estas últimas por levar o acesso aos direitos a todas as brasileiras. Há um ano, a presidenta Dilma Rousseff lançou um desafio para o governo e para toda a sociedade: tolerância zero com a violência contra as mulheres. Esse gesto traduziu-se no programa Mulher, Viver sem Violência.
Um dos seus eixos é a Casa da Mulher Brasileira. Cada um dos 26 Estados mais Distrito Federal está recebendo uma delas. E para romper com a via crúcis a que a mulher estourada pela violência é obrigada a percorrer na busca dos serviços, o programa institui uma logística de transporte. Além disso, integra num mesmo espaço todos os serviços de enfrentamento à violência e de rompimento com o ciclo desta.
Outro fator de capilaridade são as unidades móveis: ônibus especialmente adaptados (54 deles, dois por Estado e DF) para levar os serviços às mulheres rurais.
As políticas do governo estimulam ainda a igualdade de salário e oportunidades, por meio do Pró-Equidade de Gênero e Raça e do Pronatec, programa no qual dois terços dos participantes são do sexo feminino e que tem gerado crescente ocupação de postos tradicionalmente masculinas por mulheres.
Um outro programa estimula meninas e jovens a se direcionarem para as áreas de exatas, engenharia e computação. O Fazendo Ciência já teve centenas de inscrições desde o seu lançamento, em 2013.
Os desafios ainda são grandes. Mesmo com uma lei que exige eleições com a proporção de candidaturas entre sexos de pelo menos 70% e 30%, nossos índices de participação política das brasileiras ainda são baixos. Variam de 7,4% nos governos estaduais e distrital a 9,2% na Câmara dos Deputados e 8,6% no Senado Federal.
Com a inclusão no Estado de Direito de milhões de mulheres --na grande maioria, invisíveis--, o governo federal reafirma o seu compromisso de transformar o Brasil num país mais justo e igualitário, por meio do acesso universal aos serviços que garantem os direitos. Hoje, as brasileiras não estão mais sozinhas. O Estado está com elas.

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