terça-feira, 4 de março de 2014

Raul Juste Lores, Rodrigo Salem e André Barcinski

folha de são paulo
Não acabou em pizza
A cerimônia foi chata e sem graça, mas o Oscar 2014 premiou talentoestrangeiro em ano de boa safra
RAUL JUSTE LORESEM NOVA YORKPara filmar "Gravidade", Sandra Bullock recebeu de adiantamento US$ 20 milhões de cachê, o mesmo valor total do orçamento de "12 Anos de Escravidão".
Apesar de ter custado uma pechincha para Hollywood, "12 Anos de Escravidão" não teria nem chegado às telas se Brad Pitt não tivesse topado virar produtor e, assim, facilitado o financiamento.
O filme foi inteiramente rodado com uma só câmera em 35 dias. Nos EUA, arrecadou modestos US$ 50 milhões. Só a participação nos lucros de "Gravidade" que vai para a Bullock vale mais que isso.
Talvez o Oscar de melhor filme, o primeiro dado ao trabalho de um diretor negro, ainda faça "12 Anos de Escravidão" ter uma bilheteria melhorzinha nos mercados internacionais, de onde saem os maiores lucros de Hollywood ultimamente.
Mas até o "New York Times" fez reportagem recente perguntando por que filmes feitos por negros e com negros têm bilheterias magras no exterior.
Sem um bom retorno comercial, é difícil acreditar que os produtores de Hollywood comecem a colocar mais dinheiro em filmes que coloquem o negro americano no centro da tela.
DIVERSIDADE ÉTNICA
A Academia de Cinema ainda está distante de representar a diversidade étnica americana, apesar das bem-vindas mudanças.
A nova presidente da entidade é mulher e negra, mas 94% dos membros da Academia são brancos, sendo que 76%, homens. Só 2% dos membros são negros, apesar de representarem 11% da população americana.
Outros 2% deles têm origem hispânica (na população americana são 17%), o que demonstra o feito dos Oscar aos mexicanos Alfonso Cuarón e Emmanuel Lubezki pela direção e fotografia do longa "Gravidade", respectivamente.
A facilidade de Hollywood em absorver talento estrangeiro foi chancelada.
Uma australiana e uma queniana venceram os prêmios de interpretação feminina, os dois vencedores no masculino foram dirigidos por um canadense, "12 Anos" foi dirigido por um britânico que mora em Amsterdam e "Gravidade" por um mexicano radicado em Londres.
A lésbica Ellen DeGeneres foi a anfitriã da cerimônia e o ator Jared Leto homenageou os gays ao receber o Oscar de melhor ator coadjuvante por sua atuação como o travesti de "Clube de Compras Dallas", mesmo com a inexistência de um único galã fora do armário em pleno 2014.
E como Cate Blanchett bem falou ao receber seu prêmio por "Blue Jasmine", filmes protagonizados por mulheres "ainda são tratados como filmes de nicho".
Mas nem tudo é mimimi. Depois de décadas de esquecimento, livro e filme "12 Anos de Escravidão" serão adotados nos currículos escolares americanos no próximo ano letivo. O Brasil da branca "Escrava Isaura" não está melhor na foto que Hollywood.
E a safra 2013 foi mesmo boa, com grandes filmes pequenos ("Nebraska", "Philomena") e bons filmes-pipoca ("Trapaça", "Gravidade" e "O Lobo de Wall Street"). Ao contrário de outros anos, havia o que se premiar.

Tapete vermelho tem clima de churrasco (de luxo) de domingo
RODRIGO SALEMCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE LOS ANGELES

Diante da miniarquibancada na frente do Dolby Theatre, onde aconteceu a premiação do Oscar, anteontem, Meryl Streep não se cansa de dar atenção a todos. Já Joseph Gordon Levitt é impassível.
Na arquibancada, reservada para 15 pessoas, a Folha ficou entre o jornal britânico "The Guardian" e o portal americano "Huffington Post".
De cima, via-se Bono, do U2, falando animadamente com Jared Leto, ganhador do Oscar e músico do 30 Seconds From Mars. Christian Bale, um dos últimos a chegar, ficou o tempo todo com o diretor David O. Russell. Clima de churrasco de luxo.
Na sala de entrevistas, os vencedores falam, enquanto o show continua passando em 20 TVs --para escutar a cerimônia ali, só de fone de ouvido. É uma escolha: piadas de Ellen DeGeneres ou Matthew McConaughey discursando com a estatueta?
O melhor? Não há mau humor por lá. Todos estão felizes. Um exemplo foi a queniana nascida no México Lupita Nyong'o. Quando perguntada se seu prêmio era um Oscar do México, disse, sorridente: "Esse Oscar é meu".

OPINIÃO
Ellen tentou vender festa 'espontânea'
ANDRÉ BARCINSKIESPECIAL PARA A FOLHAA cada ano, a cerimônia de entrega do Oscar se torna mais enfadonha e previsível.
Anteontem, a premiação de uma das melhores safras de filmes dos últimos tempos foi um evento televisivo tedioso, com discursos ensaiados, poucas surpresas e uma apresentadora --comediante Ellen DeGeneres-- sem graça e mais interessada em fazer merchandise de celulares do que em fazer rir.
A única surpresa da noite foi a vitória de "A Um Passo do Estrelato" na categoria "melhor documentário", batendo os favoritos "O Ato de Matar" e "The Square".
De resto, foi tudo previsível, incluindo mais uma esnobada da Academia em Leonardo DiCaprio ("O Lobo de Wall Street"), que perdeu na categoria de melhor ator para Matthew McConaughey.
Parece que DiCaprio só vai mesmo levar um Oscar quando interpretar algum personagem que se redime no fim do filme, bem a gosto da caretice da Academia.
DeGeneres foi um fiasco. Para tornar a transmissão mais "espontânea", ela passou boa parte do tempo na plateia, se misturando aos astros e fazendo piadas sem graça, como dividir pizzas com Brad Pitt, Harrison Ford e Meryl Streep, numa tentativa de mostrar como eles são "gente como a gente".
Mas o Oscar não é um evento qualquer. É a celebração de uma certa "magia" do cinema, e o público quer ver astros que se comportam como astros, não como coadjuvantes de "sketches" cômicos.
Se a piada não fosse tão extensa --se alongou por vários momentos da cerimônia-- poderia até ter sido charmosa, mas acabou constrangedora.
Mas o pior momento foi uma "selfie" --essa foto irritante que pessoas fazem delas mesmas-- que Ellen tirou com um elenco estelar: Brad Pitt, Julia Roberts, Meryl Streep e Bradley Cooper, entre outros. A imagem logo bateu o recorde de "retuites", com mais de um milhão em uma hora, deixando para trás a imagem de Obama abraçado à esposa, Michelle, depois de vencer a eleição de 2012.
Tudo lindo e divertido, se não fosse um truque promocional. Assim que a imagem chegou às redes sociais, jornalistas de tecnologia afirmaram que não havia passado de propaganda de uma marca de celulares disfarçada de momento espontâneo. Se for confirmado, é o ponto mais baixo de beija-mão corporativo a que chegou o Oscar.
A cerimônia teve poucos momentos emocionantes. O discurso choroso da vencedora do prêmio de melhor coadjuvante, Lupita Nyong'o ("12 Anos de Escravidão") foi bonito, assim como a menção ao nosso Eduardo Coutinho, no tributo aos artistas que morreram no último ano. Dois momentos de brilho numa cerimônia chatíssima.

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