terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Estado pressiona prefeitura para fechar 'hotéis do crack'

folha de são paulo
Secretaria de Alckmin fez dossiê com mapeamento de 18 locais irregulares
Gestão Haddad diz que fechar locais sem oferecer assistência aos usuários de drogas irá levar mais gente às ruas
ANDRÉ MONTEIRODE SÃO PAULOO governo estadual está pressionando a Prefeitura de São Paulo para fechar hotéis e pensões irregulares na cracolândia sob a justificativa de que eles facilitam o consumo e o tráfico de drogas na região.
A área de inteligência da Secretaria da Segurança Pública chegou a elaborar um dossiê que foi encaminhado em novembro ao prefeito Fernando Haddad (PT).
O documento, ao qual a Folha teve acesso, contém fotos, endereços e a situação legal de 18 locais. Desses, dez não possuem sequer CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) e alvará de funcionamento, irregularidades que poderiam levar a seu fechamento pela prefeitura.
Além dos hotéis e pensões, a lista inclui imóveis invadidos e moradias coletivas que, segundo o documento, podem ser frequentadas por usuários e traficantes.
O dossiê afirma que "para a consecução da atividade criminosa, em muitos casos, indivíduos diretamente envolvidos nos fatos têm feito uso de estabelecimentos comerciais do tipo hotéis ou pensões cujas condições internas e externas facilitam e fomentam práticas ilícitas".
Segundo policiais e agentes de saúde que atuam na cracolândia, esses locais são usados por usuários e traficantes --a venda de drogas, às vezes, recebe o consentimento dos proprietários.
A pressão sobre a prefeitura causou mal-estar entre as equipes das gestões Haddad e Geraldo Alckmin (PSDB).
A prefeitura confirma ter recebido o dossiê, mas diz que já tratou do assunto com o governador e secretários em reunião na semana passada.
Na avaliação da administração, fechar os locais sem oferecer assistência aos usuários irá levar mais pessoas às ruas e piorar a situação da região, que já assiste ao surgimento de uma "favelinha" na alameda Dino Bueno.
A gestão Haddad afirmou ainda que não seria possível tomar medida unilateral sem auxílio da Polícia Militar na própria fiscalização e na repressão ao tráfico de drogas.
Segundo a prefeitura, houve acordo na reunião para o início de uma ação conjunta entre Estado e município.
O trabalho envolve reforço na segurança, limpeza, tratamento de usuários e assistência para os moradores da "favelinha", na tentativa de acabar com a ocupação.
A fiscalização dos hotéis e pensões irregulares seria feita numa segunda etapa.
O hotel Avaré, que aparece na lista, diz que não aceita usuários e nega favorecer o tráfico. Representantes dos outros estabelecimentos não foram localizados.
    Haddad quer empregar viciados em parques de SP
    Prefeitura estuda criar 400 vagas de trabalho para moradores de rua
    Ação tem o objetivo de acabar com 'favela' surgida este ano em rua da cracolândia, no centro de São Paulo
    DE SÃO PAULOA gestão Fernando Haddad (PT) estuda criar vagas de trabalho para empregar usuários de drogas da região da cracolândia em serviços de zeladoria para a prefeitura, como o cuidado de parques e outras áreas públicas.
    O projeto deve ser criado por decreto, mas ainda está em fase de análise da viabilidade jurídica e financeira.
    A ideia é abrir cerca de 400 vagas temporárias.
    O valor e a forma de remuneração ainda estão sendo definidos pela administração. Está em análise se o pagamento será feito em dinheiro ou por meio de um cartão.
    Também estão sendo definidos os critérios de admissão no programa. A gestão pretende criar mecanismos para acompanhamento dos selecionados e formas de encaminhá-los a emprego fixo.
    O público alvo do projeto são todos os moradores de rua da cracolândia, muitos deles usuários de drogas.
    Mas a iniciativa é sobretudo uma tentativa de desmontar uma "favelinha" surgida há alguns meses na alameda Dino Bueno com a rua Helvétia, na calçada do terreno da antiga rodoviária.
    O imóvel foi demolido há alguns anos para dar lugar a um centro cultural do Estado, mas o projeto está atrasado. Há alguns meses, moradores de invasões que foram demolidas, catadores de papelão e até moradores de outras favelas começaram a montar barracos escorados no alambrado do terreno.
    A "frente de trabalho", como o projeto é chamado, é uma tentativa de convencer os moradores a deixar o local. A ação será articulada com oferta de vagas de internação para viciados, auxílio aluguel e reforço na limpeza, para evitar a construção de novos barracos.
    A expectativa da prefeitura é concluir o projeto até o fim do ano, mas não foi fixado um prazo para o início do recrutamento e da seleção dos interessados.
    A iniciativa ocorre no momento em que o governo estadual reforça as ações de saúde na cracolândia.
    Desde a semana passada, um micro-ônibus do Programa Recomeço está estacionado na rua Helvétia. Agentes estão recolhendo e levando para tratamento em clínicas cerca de dez usuários de drogas por dia, em média.
    Também está previsto que mais 70 agentes de saúde do governo estadual comecem a atuar por lá nesta semana.
    A área da saúde será um dos principais temas da campanha eleitoral de 2014, que o governador Geraldo Alckmin (PSDB) deve disputar com o ministro Alexandre Padilha (Saúde), do PT de Haddad.
    Com as ações, a intenção dos dois partidos é evitar as críticas de que não atuam para tentar resolver a epidemia do crack.
      'Situação é constrangedora', diz secretário
      ARETHA YARAKDE SÃO PAULO"É uma situação constrangedora. A cracolândia é uma sociedade autônoma e multifuncional."
      A frase de José de Filippi Júnior, secretário municipal de Saúde, resume o mal-estar que a "favelinha" nascida no coração da cracolândia causa à administração municipal.
      Desde julho, depois que o governo do Estado demoliu prédios do entorno que eram usados como moradia, os usuários de crack voltaram a erguer barracos pelas ruas da região.
      Hoje, estima-se que cerca de 500 pessoas vivam em barracos e outras 300 circulem diariamente pelo local. Os números são similares àqueles de antes da operação policial do Estado em 2012.
      "A primeira reação é entrar e recolher tudo. Mas eu estaria apenas criando um problema para a cidade e não resolveria o tráfico", diz Roberto Porto, secretário de Segurança.
      Segundo ele, há um cuidado de não espalhar novamente o crack pela cidade. "Nossa ação é melhor se é centralizada num ponto. Mas o lado negativo é a cidade conviver com aquela situação."
      A política adotada pela prefeitura segue o programa "Crack, é possível vencer", do governo federal.
      Em vez de uma ação mais inibitória, essa política preza pela redução de danos --e teria, portanto, resultados mais lentos e "transparentes".
      A ideia é que, uma vez que os usuários se sintam à vontade com a presença da prefeitura, eles acabem procurando tratamento.
      "O poder público tem que estar pronto para receber essa pessoa quando ela pedir ajuda", diz Luciana Temer, secretária de Desenvolvimento Social.
      Segundo ela, o trabalho de reconquista do usuário já pode ser visto no De Braços Abertos. O centro funciona como um espaço de ação em saúde e atendimento social.
      "Antes, eles se afastavam do poder público porque tinham medo da internação compulsória. Conseguimos reconquistar a confiança. Hoje, temos 400 usuários fiéis ao centro", diz Luciana.

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