domingo, 19 de janeiro de 2014

Em 10 anos, reservas particulares na mata atlântica crescem 80%

folha de são paulo
Rafael Garcia 
O número de propriedades particulares na mata atlântica transformadas em reservas por iniciativa dos próprios donos aumentou 80% nos últimos dez anos, indica levantamento de ONGs ambientalistas. Apesar do crescimento, porém, a área somada dessas unidades de conservação ainda é menor que o município de São Paulo.
As RPPNs (reservas particulares do patrimônio nacional) existem desde a década de 1990, quando o Ibama viu uma oportunidade para engajar proprietários de terra em esforços de conservação. A iniciativa é particularmente importante na mata atlântica, onde 80% do que resta da vegetação original está em propriedades privadas.
Joel Silva/Folhapress
Eugenio e Kirsten Follman, em sua propiedade em Mairiporã
Eugenio e Kirsten Follman, em sua propiedade em Mairiporã
Hoje, há 762 RPPNs no bioma espalhadas em 14 Estados, somando 142 mil hectares. Segundo ambientalistas que dão suporte técnico a proprietários de RPPNs, apesar de existirem alguns incentivos, como a isenção de ITR (imposto territorial rural), a principal motivação para a criação das reservas ainda é a consciência ambiental.
"Muitos proprietários de terra permanecem por muito tempo nessas áreas e acabam desenvolvendo um carinho especial por elas", conta Mariana Machado, coordenadora do programa de incentivo a RPPNs das ONGs SOS Mata Atlântica e Conservação Internacional. "Alguns têm a preocupação de que as próximas pessoas a serem donas da área não cuidem dela."
Como a RPPN é uma unidade de conservação criada em caráter perpétuo, porém, alguns proprietários temem que suas terras percam valor e que talvez precisem vendê-las no futuro. Mas há quem aposte que a criação da reserva valorize o terreno.
MAIS VALOR
Donos de hotéis, agricultores orgânicos e agentes de ecoturismo são o novo perfil de proprietário que tem procurado a SOS Mata Atlântica atrás de ajuda para criar RPPNs. A ONG oferece auxílio no trâmite burocrático e no plano de manejo das áreas conservadas das reservas.
Editoria de Arte/Folhapress
Muitas novas RPPNs são pequenos negócios com mata intocada ao redor. Para o jornalista João Yuasa, que constrói uma pousada em São Luiz do Paraitinga (SP), onde já tinha um sítio, a motivação principal para criar uma reserva é a vontade de preservar. Ele diz crer, porém, que a iniciativa acrescente valor ao seu novo investimento.
"O perfil de hóspede que a gente quer é a pessoa com um pouco de consciência ecológica, que valoriza a preservação ambiental, o silêncio e a tranquilidade", diz Yuasa.
Segundo o Global Environment Facility, fundo que banca iniciativas de conservação, o aumento do número de RPPNs é essencial para preservar a região, onde matas remanescentes são apenas 8,5% da cobertura original e estão muito fragmentadas.
"A mata atlântica não é como a Amazônia, onde US$ 3 milhões criam uma reserva de 1 milhão de hectares", diz Gustavo Fonseca, coordenador de biodiversidade do fundo. "Aqui o setor público não tem como arcar com o custo. O preço da terra é muito alto, e é preciso ter o envolvimento da sociedade para preservar essas áreas importantes." 
"Amigos me diziam que eu estava louco"
ENVIADO A MAIRIPORÃEm 1991, quando comprou um sítio em Mairiporã (SP), o luthier Eugenio Follmann costumava frequentar o escritório regional do Ibama. Construtor de instrumentos musicais, ele recorria ao órgão para se informar sobre compra de madeira certificada, não oriunda de desmatamento. Foi lá que viu pela primeira vez o cartaz de uma campanha para a pessoas "tombarem" suas propriedades privadas.
"Assim que eu pude, dei entrada com o pedido de criação de uma reserva aqui", conta. "Amigos diziam que eu estava louco."
A decisão rápida de Follmann, imigrante húngaro que deixara seu país durante a Segunda Guerra Mundial, fez com que se tornasse o primeiro proprietário de uma RPPN em São Paulo. Hoje, o órgão federal que homologa as reservas, o Instituto Chico Mendes, lista no Estado a criação de outras 41.
Follmann diz que não passou pela cabeça a possibilidade de sua propriedade se desvalorizar e de que ele perderia dinheiro caso tivesse de vendê-la.
"Não temos necessidades financeiras prementes, então posso me dar ao luxo de pensar que não vou ter de vender o sítio", diz. "Eu considero a propriedade uma coisa ilusória. Nunca fiz nada para merecer este terreno aqui. Eu tive o dinheiro para comprar, claro, mas isso é uma coisa circunstancial."
Hoje, ele mora com sua mulher, Kirsten, em uma casa modesta que construiu na propriedade. O sítio é também seu local de trabalho. Só permanecendo no local, diz, é possível protegê-lo também. Na porta de seu ateliê fica permanentemente encostado um abafador de fogo.
"Há vândalos de plantão que botam fogo no mato só para se divertir", diz. O pior período é o de seca, de junho a agosto, quando chamas se alastram rápido. Ele e a mulher, de 82 anos, apagavam incêndios sozinhos até o ano passado, quando ela fraturou a perna. "Agora tem de ficar um pouco de molho."

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