domingo, 19 de janeiro de 2014

Liderança em downloads ilegais 'é melhor que Emmy' para Time Warner

folha de são paulo

Nelson de Sá

Aos poucos, Hollywood aprende a parar de se preocupar e a amar a pirataria.
Questionado sobre downloads ilegais ao anunciar o balanço da empresa há seis meses, o presidente da Time Warner, Jeff Bewkes, disse que "Game of Thrones", pelo jeito, "é a série mais pirateada do mundo". "E isso é melhor que um Emmy."
Para a maior corporação de mídia do mundo, com subsidiárias como a HBO, a pirataria "é um tremendo boca a boca" e serve de porta de entrada para futuros clientes, dispostos a pagar.
Terminou o ano e, de fato, a Time Warner acaba de ganhar seu prêmio "melhor que um Emmy". Pelo levantamento do site holandês TorrentFreak, referência mundial em downloads ilegais, "Game of Thrones" foi a série mais pirateada de 2013.
O site cobre pirataria, mas não faz. Em entrevista, seu fundador e editor, de pseudônimo Ernesto van der Sar, afirma que "uma das principais razões para as pessoas piratearem é não haver alternativas legais à disposição".
Dá como exemplo o que acontece com "muitos novos filmes e séries de TV dos Estados Unidos", inclusive por aqui: "É frequente o caso no Brasil, devido aos atrasos nos lançamentos".
Além dos atrasos, cita "outras barreiras, como o preço, que tende a pesar mais nos países em desenvolvimento" —como Brasil e China, que a associação dos estúdios americanos (MPAA, na sigla em inglês) considera "mercados notórios" de pirataria.
Jeff Bewkes não ficou no discurso. Na segunda, a HBO liberou os primeiros episódios da nova temporada de "Girls" no YouTube 12 horas após a exibição na TV nos EUA.
E a Time Warner não está sozinha. Duas semanas atrás, a BBC liberou o acesso on-line ao primeiro episódio da nova temporada de "Sherlock", via Youku Tudou, o YouTube chinês, duas horas após ir ao ar no Reino Unido.
Confirmando que a indústria começa a lidar com a questão de forma mais complexa, o Netflix afirmou, ao lançar seu serviço on-line na Holanda, que usa downloads ilegais como parâmetro.
"Na compra de uma série, miramos o que tem bom desempenho nos sites piratas", declarou a vice-presidente mundial de compra de conteúdo do Netflix, Kelly Merryman, ao site holandês Tweakers, citando "Prison Break" como exemplo.
Editoria de Arte/Folhapress
HÁBITO
Se parte de Hollywood já vê utilidade na pirataria, não faltam alertas do contrário.
Para cada Vince Gilligan, produtor de "Breaking Bad" que diz que os downloads ilegais "ajudaram" a popularizar a série, há uma Gale Hurd, de "The Walking Dead", que chama as evidências de efeito positivo de "piada".
"Colegas meus têm uma crença equivocada de que pirataria é bom e quem vê desenvolve o hábito de pagar", disse Hurd há um mês, em evento antipirataria, acrescentando que "cria um hábito sim": não pagar nunca.
Ernesto, do TorrentFreak, diz que a crença "tem sua razão: nem sempre é fácil para o pirata abandonar o hábito, mesmo com alternativas legais gratuitas". Cita a estreia de "The Walking Dead" neste ano: mesmo liberada por "streaming" pelo AMC, foi alvo de "download em massa".
A Fox, de séries como a recém-premiada "Brooklyn Nine-Nine", vai além.
"Não podemos justificar a pirataria para ganhar audiência", diz Daniel Steimetz, "oficial-chefe antipirataria" da Fox International Channels. "Pelo contrário, temos de criar consciência na sociedade, fazendo-a entender que é um ato desprezível, punido pela lei, que afeta toda a indústria." A Fox, relata Steimetz, está "à frente da luta contra a pirataria na última década, tendo sido a primeira da América Latina a criar alianças estratégicas".
Duas semanas atrás, por outro lado, a mesma Fox veiculou nos EUA um episódio de "Os Simpsons" em que Homer, diante da dificuldade em assistir a um filme do qual todos falam, aprende com Bart como fazer download no site fictício The Bootleg Bay. 
Canais aceleram trabalho de legendadores
GIULIANA DE TOLEDODE SÃO PAULOSe os canais correm para lançar as séries no Brasil cada vez mais perto da data de estreia no exterior, o trabalho das empresas que legendam episódios também precisou ser acelerado.
O tempo de preparação das legendas de um capítulo caiu pela metade: em média, de uma quinzena para uma semana, conforme Drei Marc e Gemini, empresas líderes no serviço no país. Ambas têm como clientes grandes canais de TV por assinatura.
Apesar de reduzido nos últimos dois anos, o prazo ainda é longo se comparado ao de 24 horas, estabelecido por equipes amadoras de legendagem, que publicam suas traduções gratuitamente na internet.
Esses arquivos são usados para acompanhar vídeos baixados em sites piratas antes do lançamento oficial no país.
"A pirataria estimula a criação de legendas não oficiais", diz Carlos Neves, diretor de proteção de conteúdo da divisão latino-americana da MPAA. A entidade, composta pelos estúdios Sony, Warner, Fox, Paramount, Disney e Universal, se diz contrária às "legendas piratas".
A equipe inSUBs, a maior do site legendas.tv --página que reúne diversos grupos brasileiros--, traduz em até um dia cada novo capítulo de algumas das 26 séries de que cuida. As atrações mais famosas têm prioridade na entrega.
A inSUBs tem cerca de 140 membros --número semelhante ao de colaboradores das empresas. Cada capítulo é dividido em até oito pessoas, que o traduzem simultaneamente, para compor o arquivo final.
"Fica um Frankenstein", avalia Marcelo Leite, diretor do controle de qualidade da Drei Marc, sobre o método amador. "Aqui priorizamos a qualidade e a unidade, não a velocidade", explica.
Além da rapidez, a tradução informal privilegia o gosto do tradutor, e os envolvidos não ganham nenhuma remuneração.
"A gente cuida das séries de que gosta. É um trabalho de fã. Não recebemos nada a não ser gratidão", diz à Folha Ivanz (apelido), 28, um dos administradores da inSUBs.
O morador de Brasília, que não revela seu nome, trabalha na área administrativa de um banco e, nas horas vagas, se dedica a revisar as legendas da série "The Good Wife". A tarefa lhe exige dez horas de dedicação a cada episódio.
No mercado formal, cada episódio rende ao tradutor de R$ 150 a R$ 500, a depender do grau de dificuldade do conteúdo.
Com a experiência adquirida na informalidade, muitos passam a trabalhar também como profissionais. Moacyr Lopes, diretor da Gemini, calcula que 20% dos seus atuais freelancers tenham começado na internet.

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