domingo, 19 de janeiro de 2014

Maior universidade brasileira discutirá mudanças em seu vestibular

folha de são paulo
USP, 80
Aos 80, USP vai discutir mudanças no vestibular
Novo reitor colocará em discussão o modelo atual de ingresso
Com mais de 150 mil candidatos, Fuvest é o maior vestibular do país; universidade faz aniversário no sábado
FÁBIO TAKAHASHISABINE RIGHETTIDE SÃO PAULO
Ao completar 80 anos, a USP vai discutir mudanças na forma de entrada na universidade, a principal do país. O modelo de vestibular pode até perder peso.
Quem levantará a discussão será o novo reitor da instituição, Marco Antonio Zago, que assume no sábado --data que coincide com o 80º aniversário da escola.
Em entrevista à Folha, Zago apontou dois problemas no atual modelo de vestibular da Fuvest, iniciado em 1977. O primeiro é que as provas (1ª e 2ª fases) podem ser insuficientes para definir quais são os estudantes que devem ingressar na USP.
Outro problema é que as escolas de ensino médio se voltam quase exclusivamente ao treinamento de alunos para o vestibular.
"Quero que sejam analisadas maneiras alternativas ou adicionais, que podem ser combinadas", afirmou Zago.
Ou seja, podem ser criadas outras formas de ingresso ou o exame pode ganhar etapas.
Um dos exemplos a serem estudados, disse o novo reitor, é o da Unicamp, que utiliza apenas o Enem para ingresso em um de seus programas de graduação (Profis).
Zago, porém, afirma que não tem um modelo ideal. Pedirá às unidades que discutam o tema, antes de chegar a um modelo a ser votado.
"Não é porque a Fuvest funciona bem que ela não precisa ser revista", disse.
No último vestibular foram 170 mil inscritos, que disputaram 11 mil vagas. Foram aplicadas duas fases de provas, a primeira com testes; a segunda foi dissertativa.
No ensino superior do Brasil e do exterior há diferentes modelos de seleção.
O curso de direito da FGV-SP não possui prova com testes e, numa das etapas, os candidatos são avaliados por meio de exame oral, após discussões em grupo. Universidades americanas usam a nota em prova nacional, análise de currículo e entrevistas.
De sua parte, a USP tem um problema adicional: seu tamanho. Como fazer uma seleção justa e equânime para mais de 150 mil candidatos?
Apesar do desafio, o presidente do sindicato das escolas particulares, Benjamin Ribeiro da Silva, afirma que a USP acerta em tentar mudar.
"Os alunos exigem que ofereçamos treino para o vestibular. O empreendedorismo de cada um fica de lado."
Coordenador da ONG Educafro, frei David Santos destaca que alunos cotistas entram com notas mais baixas no vestibular, mas se formam no mesmo patamar dos demais. "A USP está perdendo hoje esses talentos de escolas públicas, pobres."
USP, 80
Gigante, USP é pouco ágil em mudanças
Com mais de 90 mil alunos, universidade é 40 vezes maior do que a Caltech (EUA), a melhor escola do mundo
Para especialistas, USP precisa decidir se vai se massificar ampliando o número de alunos ou se investirá em qualidade
DE SÃO PAULOO gigantismo da USP, que dificulta mudanças no seu vestibular, também emperra saltos da universidade em rankings universitários internacionais. A avaliação é de pesquisadores da área e do responsável por uma das principais listagens.
Por outro lado, é justamente o gigantismo da USP que faz dela uma universidade única, que alia formação de alunos em massa com pesquisa científica de ponta.
A USP tem mais de 90 mil alunos, entre graduação e pós --e está em 226º no THE (Times Higher Education), principal ranking de universidades da atualidade.
Para se ter uma ideia, a líder Caltech (EUA) tem 2.100 estudantes. E a melhor da China, Universidade de Pequim (45º lugar), tem menos da metade dos alunos da USP.
"As instituições menores podem se beneficiar de uma estrutura mais prática de gestão, mais flexível e veloz", diz Phil Batty, editor do THE.
"Pequenos barcos são mais rápidos e mais fáceis de manobrar em comparação a grandes petroleiros --mesmo que esses façam um trabalho muito importante."
O tamanho influencia diretamente o andamento das pesquisas. "Tudo é lento e burocrático", diz a geneticista Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Genoma Humano da USP --o maior da América Latina. "Para cada viagem de cooperação científica ao exterior, preciso de uma pilha de papeis", completa.
Ex-reitor da USP e atual pesquisador de ensino superior, Roberto Lobo afirma que o Brasil precisa ter uma universidade "de ponta", o que ajudaria no desenvolvimento tecnológico nacional.
"A USP é a que está mais próxima disso. Mas ela precisa definir sua missão. Quer ter massa, 100 mil, 200 mil alunos, ou quer densidade?".
O orçamento da universidade é compatível com a média das 50 melhores escolas do mundo. "O problema é que ela tem estudantes demais."
Também ex-reitor da USP e ex-ministro da Educação, José Goldemberg afirma que a USP "já é grande, não precisa mais massificação".
Na opinião dele, a instituição deveria se focar em tentar aumentar sua inserção internacional, trazendo mais professores e estudantes do exterior --e mandando mais gente também.
USP, 80
Novo reitor assume universidade com orçamento no limite
USP usou cerca de 100% do que recebeu do governo com salários e entrou na reserva para demais gastos
Marco Antonio Zago diz que terá de 'replanejar os gastos'; prioridade do mandato é melhorar o ensino de graduação
FÁBIO TAKAHASHISABINE RIGHETTIDE SÃO PAULOMarco Antonio Zago é visto como um apaziguador --e talvez tenha sido essa característica que levou o médico do campus de Ribeirão Preto a chegar à reitoria com 25% mais votos do que a soma dos seus dois concorrentes.
Zago tem a missão de reduzir os conflitos na universidade e de melhorar o diálogo.
Também tem o desafio de gerir as finanças. Em 2013, o orçamento de R$ 4,3 bilhões foi gasto com salários. O resto veio de reservas que, conforme a Folha apurou, são de R$ 3 bilhões. Leia entrevista.
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Folha - O que o senhor espera implementar na USP?
Marco Antonio Zago - Eu gostaria que o ensino de graduação sofresse um progresso. Também desejo uma descentralização administrativa e de atividades acadêmicas, com decisões ocorrendo mais localmente nas unidades. Gostaria de deixar uma universidade mais unida, mais coesa, na qual o diálogo seja uma atividade rotineira. Há uma expectativa de menos conflitos. A grande massa dos alunos não está sequer participando do debate.
O que pode ser feito de diferente para ter esse diálogo?
É preciso atrair a massa da universidade. O que pensa a massa dos docentes? E dos estudantes? Temos de reestabelecer esse diálogo. Um grupo de alunos se sente inconformado porque suas teses não foram absorvidas [por exemplo, a proposta de eleição direta à reitoria]. Eles estavam respaldados por uma ampla maioria de estudantes? Não. A maioria dos estudantes não estava sequer interessada no debate.
Como está a situação orçamentária da USP?
Temos um orçamento bastante apertado. O comprometimento com a folha de pagamentos é próximo de 100% do repasse orçamentária do governo. E portanto temos de fazer uso das nossas reservas para cobrir as despesas correntes, de consumo, contratos. Não é uma situação pontual porque em entidade pública não se mexe muito na folha de pagamento. Vamos ter de replanejar.
A USP vai bem em avaliações como o RUF (Ranking Universitário Folha) porque tem bons cursos ou porque já pega os melhores alunos?
A USP pega os melhores alunos e, portanto, sai com uma vantagem. Mas nós precisamos ter certeza de que usamos bem essa vantagem. Precisamos entregar na sociedade pessoas com uma formação melhor ainda. A USP tem uma responsabilidade: recebe recursos vultuosos e precisa dar um retorno.
E como está a graduação da USP nacionalmente?
Faltam informações. Uma medida é o Enade [Exame Nacional de Desempenho do Estudante], do MEC. O Enade tem defeitos, mas é uma medida objetiva e nacional que a USP decidiu não participar [a universidade aderiu ano passado de forma experimental: os alunos fazem a prova se quiserem, e as notas não são divulgadas]. Tenho certeza de que temos de discutir isso.
O que pode melhorar especificamente na graduação?
Gostaria de ter um ensino muito mais moderno, mais voltado à necessidades da sociedade, e currículos mais flexíveis. A USP tem uma rigidez muito grande em seus currículos. Os alunos entram na USP para fazer "engenharia elétrica"-- não entram para fazer "engenharia". O jovem é muito precocemente obrigado a escolher a sua carreira. Isso contribuiu para a evasão. [em torno de 25%].
Como o senhor vê a USP comparativamente com universidades estrangeiras? A USP caiu no ranking THE em 2013.
Os rankings captam aspectos da universidade. O ranking produzido na China, por exemplo [ranking ARWU], leva em conta o número de professores com prêmio Nobel na universidade. Se a USP contratasse um prêmio Nobel, iria lá para cima no ranking. Isso melhoraria a universidade? Não.

USP, 80
Empreendedorismo ainda é raridade entre os estudantes
Maioria das aulas da USP é expositiva; carga horária pesada limita tempo do aluno para ter ideias e criar
Aluno que cria o próprio negócio, como Romero Rodrigues, do Buscapé, ainda é exceção na universidade
DE SÃO PAULONa USP, melhor universidade do país, a maioria dos estudantes não tem perfil empreendedor, desses que criam o próprio negócio. O problema, dizem os especialistas, é que sobram aulas expositivas e faltam atividades voltadas a desenvolver ideias próprias.
"Temos de deixar os alunos mais livres para criarem soluções", diz José Roberto Cardoso, diretor da Escola Politécnica da USP.
Lá, na Poli, os alunos têm uma média de 28 horas de aula por semana. A maioria é expositiva, com o professor falando e o aluno ouvindo.
"Contando o tempo de estudo, eu fico de oito a dez horas por dia na Poli", diz Raphael Chinchilla, 22, aluno de engenharia elétrica na USP e diretor do Centro Acadêmico da Engenharia Elétrica.
Ele defende um currículo mais flexível, de modo que os alunos possam se aprofundar nas disciplinas que queiram e que sejam úteis na carreira que o estudante vai desenhar.
Chinchilla também acredita que o currículo deveria ser mais multidisciplinar. "Cursos como sociologia são raros para os engenheiros", diz.
"No exterior, é comum estudantes de exatas fazerem cursos de humanas", diz o jovem, que embarca no segundo semestre para um intercâmbio na França --organizado pela própria Poli.
Uma das exceções empreendedoras mais comentadas pelos corredores da USP é o engenheiro Romero Rodrigues, 36. Formado pela USP, ele é um dos criadores do Buscapé, site especializado em pesquisa de preços.
A ideia surgiu ainda durante a graduação, em um trabalho que ele fazia com colegas na própria USP. Hoje, a empresa tem atuação na América Latina e o grupo tem mais de 1.500 funcionários.
A sede, na avenida Paulista, tem redes de descanso, mesa de pebolim e boneco de boxe. Tudo para criar um ambiente bem inovador.
'TUDO É DIFÍCIL'
Apesar de não ter aprendido a empreender na Poli, diz Rodrigues, a passagem pela USP foi "fundamental" para o desenvolvimento da sua carreira como empresário.
"Na USP tudo é difícil. Ninguém te pega no colo e te ensina o caminho das pedras."
"Ninguém te lembra de fazer a matrícula ou que você tem prova. Você tem de ralar mesmo. E isso faz parte de ser empreendedor'."
Mesmo com o excesso de disciplinas, ele conseguiu tempo para fazer remo na própria USP. Também cursou algumas disciplinas extras ligadas à gestão e marketing na vizinha FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade) da USP.
Com tudo isso, formou-se engenheiro em sete anos --o tempo regular são cinco anos.
"Não tive apoio dos professores para desenvolver especificamente o Buscapé. Mas eles me ajudavam ao compreender que eu estava trabalhando em um projeto legal e, por isso, chegava atrasado em algumas aulas."
A carreira de Rodrigues fez com que ele tenha se transformado em um ídolo na Poli. Vira e mexe ele é convidado para dar palestras.
Desde que se formou, algumas coisas já mudaram por lá. "A disciplina de empreendedorismo foi criada há cerca de dois anos", destaca Cardoso, diretor da Poli.
As coisas, claro, ainda não mudaram o suficiente. "Empreendedorismo é optativo. Com a grade pesada, muitos alunos acabam não fazendo."
O que continua igual é o excesso de aulas. Há resistência dos professores para reduzir a quantidade de cursos.
Quanto a isso, ainda não há previsão de mudança.

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