quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Martin Wolf

folha de são paulo

Se os robôs nos dividirem, eles vencerão

Com sua lâmpada mágica, Aladim era capaz de comandar um ser inteligente capaz de realizar todos os seus desejos. O gênio que o servia era um espírito. Mas o sonho de servidores artificiais poderosos e inteligentes também abarcava seres físicos. Agora, está se tornando uma realidade feita de silício, metal e plástico. Mas será um sonho ou um pesadelo? As máquinas inteligentes se provarão benéficas? Ou serão monstros de Frankenstein?
Essa é a questão proposta por "The Second Machine Age", novo livro de Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, sigla em inglês). O texto prevê que experimentaremos "dois dos mais espantosos eventos da história humana: a criação de inteligência mecânica verdadeira e a conexão de todos os seres humanos por meio de uma rede digital comum, transformando a economia do planeta. Inovadores, empreendedores, cientistas, inventores e muitos outros tipos de geeks tirarão vantagem dessa cornucópia para criar tecnologias que nos deslumbrarão, deliciarão e trabalharão por nós".
O que distingue a segunda era da máquina da primeira é a inteligência. As máquinas da primeira era substituíram e multiplicaram o trabalho físico de seres humanos e animais. As máquinas da segunda era substituirão e multiplicarão nossa inteligência. A força propulsora por trás dessa revolução, argumentam os autores, é o aumento exponencial de potência (ou a queda exponencial de custo) da computação. O exemplo célebre é a Lei de Moore, que leva o nome de Gordon Moore, fundador da Intel. Por meio século, o número de transistores em um chip semicondutor dobrou pelo menos a cada dois anos. Progresso semelhante aconteceu em outras áreas.
Os autores argumentam que depois de meio século de progresso, estamos agora vendo saltos na inteligência mecânica. Com o crescimento exponencial do poder de computação, computadores estão realizando tarefas que eram consideradas além de sua capacidade alguns anos atrás. Em breve, eles preveem, haverá inteligência mecânica em ação em toda parte. O paralelo que oferecem é a história do inventor do xadrez, que pediu como recompensa um grão de arroz pela primeira casa do tabuleiro, dois pela segunda, quatro pela terceira, e assim por diante. O total é administrável na primeira metade do tabuleiro, mas atinge proporções descomunais na segunda. As recompensas que receberemos crescerão da mesma maneira.
No entanto, para parafrasear uma famosa piada sobre computadores que Robert Solow, economista do MIT laureado com o Nobel, fez em 1987, vemos a tecnologia da informação em toda parte mas não nas estatísticas de produtividade. As tendência de produção por hora nos Estados Unidos são bastante medíocres. De fato, depois de uma alta encorajadora nos anos 90 e começo dos 2000, o crescimento recuou de novo. O desempenho recente em outras economias de alta renda é ainda pior.
Uma possível explicação é que o impacto dessas tecnologias esteja sendo superestimado. Não surpreende que os autores do livro discordem. De fato, argumentam que, longe de estarem exauridas, as possibilidades são ilimitadas: "A digitalização torna disponível imensas massas de dados relevantes para quase qualquer situação, e essa informação pode ser reproduzida e reutilizada infinitamente".
Se isso é fato, por que a expansão medida na produção é tão modesta? As respostas oferecidas são: a pletora de serviços baratos ou grátis (Skype e Wikipedia); a escala dos serviços de entretenimento nos quais as pessoas mesmas são a atração (Facebook); e a falha em incorporar plenamente aos cálculos todos os novos produtos e serviços. Antes de junho de 2007, um iPhone estava fora do alcance até mesmo do homem mais rico do planeta. Seu preço era infinito. A queda de um preço infinito para um preço definido não está refletida nos índices de preços. Além disso, o "superávit de consumo" dos produtos e serviços digitais - a diferença entre seu preço e seu valor para os consumidores - é muitas vezes imensa. Por fim, os indicadores de PIB (Produto Interno Bruto) muitas vezes subestimam o investimento em ativos intangíveis.
Parece bastante plausível que a proliferação de novos aparelhos e a ascensão da economia digital, com seus custos marginais singularmente baixos, tenham exercido efeito muito maior sobre o bem-estar e até mesmo o PIB do que os indicadores atuais sugerem.
Mas restam preocupações. A era da informação coincidiu com - e em certa medida causou - tendências econômicas adversas: estagnação na renda média real; crescente desigualdade na renda dos trabalhadores e na distribuição de renda entre o trabalho e o capital; e crescente desemprego de longo prazo.
Entre as explicações para isso estão: a rápida alta na produtividade da indústria; mudanças tecnológicas para as quais a capacitação profissional é importante; a ascensão de mercados mundiais nos quais o vencedor leva tudo; e o papel da renda garantida auferida, especialmente por meio da propriedade intelectual. Pense na diferença entre o custo de desenvolvimento do algoritmo do Google e o seu valor. A globalização e a liberação financeira também exercem influência, ambas propelidas por novas tecnologias.
Acima de tudo, o livro insiste, esse é apenas o começo. Boa parte do trabalho mental de rotina será computadorizado, como aconteceu com as funções auxiliares. Os empregos de renda média passarão por nova contração. O resultado poderá ser uma polarização de renda ainda maior, com um pequeno grupo de vencedores no topo e um grupo imensamente maior enfrentando dificuldades, mais abaixo. Em 2012, por exemplo, o 1% mais rico dos norte-americanos ficou com 22% da renda do país, mais que o dobro de sua proporção nos anos 1980.
Existem bons motivos para que as pessoas se sintam incomodadas com isso. Para começar, as vidas de quem ficar por baixo podem piorar. Os autores apontam que a expectativa de vida de uma mulher branca norte-americana desprovida de diploma secundário caiu em cinco anos entre 1990 e 2008. Segundo, se a renda se tornar desigual demais, as oportunidades para os jovens escassearão. Terceiro, os ricos se tornam indiferentes ao destino dos demais. Por fim, emerge uma vasta desigualdade de poder, o que faz do ideal de cidadania democrática uma piada.
No futuro distante, máquinas pensantes podem até mesmo dominar nosso senso sobre o que somos - da mesma forma que os melhores jogadores humanos de xadrez hoje sabem que não são mais os melhores do planeta. Mas muito antes disso, os autores sugerem que a disparidade de renda deve se ampliar ainda mais, maculando a era de oportunidade que o livro também promete.
Grandes desafios terão de ser encarados, portanto, tanto agora quanto no futuro, se queremos garantir que as novas máquinas não se tornem nossos monstros de Frankenstein. Eles têm implicações sérias para a política pública quanto a direitos de propriedade, educação, tributação e outras medidas governamentais com o objetivo de promover o bem-estar humano. Considerarei essas questões controversas na semana que vem.
Tradução de PAULO MIGLIACci

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