domingo, 22 de dezembro de 2013

O assunto é: O destino de Snowden - David Miranda; Ali Kalout + Degaut

folha de são paulo
DAVID MIRANDA
TENDÊNCIAS/DEBATES
O ASSUNTO É: O DESTINO DE SNOWDEN
Carta aberta aos brasileiros
Se Snowden for preso, nunca mais ouviremos uma palavra desse homem que tanto nos ajudou. Temos o dever de proteger os seus direitos
Um importante tema tomou conta dos debates em todo o mundo, nos últimos meses: a espionagem praticada pelos Estados Unidos.
Esse debate só é possível porque um homem corajoso sacrificou sua vida, suas amizades, sua liberdade e seu trabalho e abriu mão de seu próprio país. Esse homem é Edward Snowden, ex-agente de inteligência do governo dos Estados Unidos.
Eu, David Miranda, pude sentir na pele o quão perigoso é se envolver em relações entre países, em especial no tocante a abuso de poder.
Em agosto deste ano, fiquei detido por nove horas, sendo interrogado sem intervalos, arbitrariamente, no aeroporto de Londres, no Reino Unido. Hoje, o governo desse mesmo país acusa a mim e aos jornalistas que trabalham com histórias sobre terrorismo de sermos criminosos, por supostamente cooperarmos com essa prática.
O Brasil foi um dos países mais espionados pela agência de espionagem norte-americana, a NSA (Agência de Segurança Nacional). Devido às informações que Snowden tornou públicas ao repassá-las ao meu parceiro, o jornalista norte-americano Glenn Greenwald, conseguimos entender como a NSA espiona a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, e seus ministros de Estado mais próximos.
Também pudemos conhecer os métodos de espionagem aplicados contra a Petrobras e contra a população brasileira, que tem por mês cerca de dois bilhões de e-mails e ligações rastreados pela agência.
Então, pelas razões aqui expostas, eu comecei uma campanha para que o meu país conceda asilo para Edward Snowden, acusado pela Justiça dos Estados Unidos por furto de propriedade do governo e por revelar informações secretas de defesa nacional e de inteligência. No solo de seu próprio país, ele poderia ficar até 30 anos preso.
As informações reveladas por meio de Snowden beneficiam o Brasil ao tornarem evidente a precariedade de nosso sistema de comunicação. Se hoje temos papel de destaque no debate internacional sobre a regulamentação da internet, isso se deve ao conhecimento que ele nos possibilitou adquirir.
No trabalho que venho fazendo com o meu parceiro, Glenn Greenwald, pude ver a reação do público brasileiro, calorosa e indignada com o tratamento dado a esse homem. Paradoxalmente, também tive contato com pessoas que dizem não se importar de serem espionadas, porque, argumentam, "não têm nada a esconder".
A questão é outra. Não se trata da coleta de dados feita pelo governo norte-americano e seus aliados. Trata-se de um comportamento ao qual ainda não sabemos como reagir, especialmente por causa da dúvida que paira sobre o papel da internet no cenário mundial. Será que a rede continuará sendo uma ferramenta de liberdade de expressão, comunicação e criatividade, ou será que ela se tornará um poderoso instrumento de governo para monitorar e controlar a população?
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, o Brasil e outros 47 países, liderados pelos Estados Unidos, assinaram a Declaração Universal de Diretos Humanos, com o intuito de resguardar os direitos mais fundamentais das pessoas.
Neste momento, venho pedir, como cidadão brasileiro, para que o meu país honre esse tratado e conceda asilo a Snowden. Se ele de fato for preso, nunca mais poderemos ouvir uma palavra dita por esse homem que tanto nos ajudou e pode nos ajudar ainda mais. Temos o dever de proteger os seus direitos.
Com este artigo, eu venho pedir a você, leitor, para se juntar a todos que procuramos trabalhar por um futuro no qual a privacidade e os direitos humanos sejam preservados.
HUSSEIN ALI KALOUT E MARCOS DEGAUT
TENDÊNCIAS/DEBATES
O ASSUNTO É: O DESTINO DE SNOWDEN
Uma janela de oportunidades
O Brasil tem muito mais a perder do que a Rússia em sua relação com os Estados Unidos se conceder eventual asilo a Edward Snowden
O caso Edward Snowden ganha um novo capítulo internacional. A manifestação pública do ex-funcionário da inteligência americana vislumbrando lograr asilo político do governo brasileiro é ainda uma hipótese que apenas o próprio autor e seu círculo mais íntimo gostariam de transformar em realidade.
Importantes indagações pairam no ar sobre o impacto dessa hipotética medida: o que o Brasil ganharia com isso? Quais seriam as consequências? A resposta inicial de por que o Brasil deveria conceder-lhe o asilo parece óbvia: coletar dele informações sobre a espionagem norte-americana. Preliminarmente, o Brasil não ganharia muita coisa além de meter-se numa curiosidade perigosa e contraproducente.
O certo é que Snowden não entregará dado algum ao Brasil apenas pela fortaleza de nossa democracia ou em função do respeito que nutrimos pela legalidade internacional. As informações serão dadas a conta-gotas e, inexoravelmente, envolverá batalhas jurídicas se Snowden vier a estar em solo brasileiro.
O ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, disse tudo. Se o Brasil condenava o "modus operandi" americano em sua política de inteligência, a retaliação e a punição não se conjugariam com o estilo do Brasil de fazer relações internacionais, tampouco figuram como opção no dicionário estratégico da diplomacia brasileira.
Por outro lado, o Brasil não é a Rússia. O Brasil tem muito mais a perder do que a Rússia em sua relação econômica, política e histórica com os Estados Unidos se conceder eventual asilo sob qualquer motivo, ainda que seja o de afrontar o parceiro do Norte ou, mais uma vez, reforçar a independência de sua política externa. Ademais, o Brasil não teria condições de oferecer a Snowden garantias de que não será deportado ou extraditado.
Ao não querer comentar o assunto, a presidente Dilma Rousseff faz o certo. Demonstra altivez em sua conduta e transmite um sinal cristalino de como o país mensura a sua relação com os Estados Unidos e que tratamento espera de um país parceiro, deixando a porta aberta para uma retratação formal por parte do governo Obama.
O ressurgimento do caso Snowden tem o mérito de reacender o debate sobre o futuro das relações Brasil e Estados Unidos. Do ponto de vista pragmático, a interpretação que se aufere é que essa relação histórica não necessita de alinhamento automático e tampouco de subordinação de interesses de lado a lado, mas da compreensão mútua de valores fundamentais.
As duas maiores economias e principais polos de poder nas Américas ainda buscam estabelecer um padrão de equilíbrio no relacionamento bilateral, alçado ao nível de diálogo estratégico.
O anúncio da compra dos aviões de caça Gripen combinado com a manifestação não oficial do Snowden de querer asilo político no Brasil representam, cada um em sua dimensão, uma sutil resposta da diplomacia e defesa brasileiras aos Estados Unidos. São sinais que não devem ser desprezados, mas utilizados como parâmetros do que os países podem ganhar se decidirem construir uma parceria bilateral mais pragmática, cooperativa e eficiente.

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