sábado, 18 de janeiro de 2014

"Rolezinhos" em shoppings devem ser coibidos?

folha de são paulo
TATIANA IVANOVICI
TENDÊNCIAS/DEBATES
"Rolezinhos" em shoppings devem ser coibidos?
NÃO
Um bom negócio
No país da ascensão econômica, o "rolezinho" é uma oportunidade de negócios mal aproveitada.
Enquanto se gasta dinheiro com mídia para atingir consumidores, o "rolezinho", se transformado em um evento cultural, economizaria esforços. Seus organizadores nada mais são que formadores de opinião. O público-alvo, os participantes, já estão reunidos e, não à toa, durante as férias escolares. O que nos impede de criar ações para ensinar esses jovens a produzir um evento, a montar um projeto e apresentar aos donos dos shoppings?
Se as classes populares são formadas sobretudo por negros, como se pode reprimir a estética dessas pessoas? O nosso povo consome, e já faz tempo, a sua própria cultura, criada de dentro para fora das periferias --os saraus, o futebol de várzea, o samba, o rap, o funk, etc.
Os jovens vão ao shopping porque aprenderam que lazer é consumo. Mas um país não sobrevive só de consumo. É preciso educação e preparo para lidar com o dinheiro. As quebradas já entenderam isso e estão buscando o estudo, os cursinhos. Mas a educação formal não acompanha essas mudanças, não dialoga com o universo dos jovens da periferia, não ensina como é gostoso o sentimento de vitória.
No Brasil da economia emergente, falar de dinheiro é mais tabu do que falar de sexo.
Uma marca associada ao "rolezinho" conquistaria milhares de pessoas simplesmente por visar o crescimento humano, o bem coletivo. Isso é o negócio social, é o progresso compartilhado. Todos ganham: povo, empresas, poder público.
A massa prefere o que exalta a gente renegada. Gosta dos estilos musicais que possuem características negras. O funk, por exemplo, estourou no Brasil com o tamborzão: batida eletrônica criada com percussão de candomblé e capoeira.
Mas, infelizmente, o Brasil é o país do racismo velado. Pergunte-se quantos negros trabalham na mesma empresa que você. Todos os movimentos culturais negros foram reprimidos. Até 70 anos atrás, um negro que andasse na rua com um pandeiro debaixo do braço era preso.
Existem muitos eventos que podem ser potencializados nas periferias. Atualmente, muitos jovens das classes A e B querem ir para a quebrada curtir um samba. A periferia é "hype", lança tendências e gírias que chegam aos Jardins. O "rolê" não está ligado apenas à falta de lazer, mas também à falta de mobilidade entre a periferia e o centro expandido de São Paulo.
Só quem vem do sofrimento sabe o que significa não ter opção. Vive-se num limbo. É um esforço quase sobre-humano se destacar: você começa a vida dez anos atrás de quem teve educação. Quem vem da quebrada não ganhou mesada, não foi treinado para se comportar no mundo. A invisibilidade é o motor propulsor do "rolezinho", que é um pedido de socorro: estamos aqui e queremos oportunidades.
A proibição do "rolezinho" só marginaliza nossa juventude. Aliás, quais são os critérios para enquadrar seus participantes? A aparência e a cor da pele? E mais, quem será o responsável por definir quem deveria e quem não deveria ser barrado nas entradas dos shoppings? E se os encontros fossem marcados por jovens brancos das classes A e B? Quais seriam os critérios? A cor da pele?
A minha atitude tem reflexo na sua vida, caro leitor, e vice-versa, pois nós compartilhamos a cidade, as ruas, os shoppings. Precisamos de autoanálise, urgentemente.
Ser honesto é pressuposto, não é mérito. Precisamos encarar os problemas com tolerância para acharmos soluções em conjunto. Essa juventude é, no limite, uma imensa força de trabalho que, se direcionada, vai mudar o Brasil.
ANDREA MATARAZZO
TENDÊNCIAS/DEBATES
"Rolezinhos" em shoppings devem ser coibidos?
SIM
O seu, o meu, o nosso "rolezinho"
Os "rolezinhos" tornaram-se o assunto deste verão. Os encontros de um número expressivo de jovens em shoppings de São Paulo são considerados por muitos como uma espécie de continuação das manifestações de desencanto e indignação de junho passado.
Há, de fato, aspectos em comum. Como as passeatas a céu aberto contra a péssima gestão do Estado brasileiro, os "rolezinhos" reúnem participantes que marcam o encontro previamente pelas redes sociais.
Em ambos, grupos oportunistas de vários matizes ideológicos procuram pegar carona na notoriedade desses movimentos.
No caso dos "rolezinhos", comerciantes e frequentadores dos shoppings e, depois, a sociedade foram pegos de surpresa. Pois, assim como as manifestações de inverno, a moda do verão surgiu inesperadamente e se tornou o tema predominante das últimas semanas.
Mas há diferenças que não podem ser desprezadas. O rastilho de pólvora das manifestações foi o aumento do preço do transporte urbano e, depois, o movimento ganhou corpo com outras reclamações difusas. Não há, no caso atual, um discurso unificado de reivindicações. Não há sequer uma reivindicação expressamente declarada.
Recentemente, jovens marcaram um "rolê" em Itaquera a pretexto de diversão. Houve reação dos proprietários de shoppings e das autoridades. Isso acendeu o debate com vezos políticos e ideológicos.
Muitos a favor, muitos contra. A sensação que fica é que apoiar os "rolês" é de esquerda e condená-los é de direita. Isso é ridículo, pois interdita o debate, não traz solução.
Aliás, é o que vem ocorrendo em diversas frentes: o debate morre, reduzido a ideologia de almanaque ou a meras disputas entre quem é o "bonzinho" e quem é o "mauzinho".
Não faz sentido ideologizar ou politizar os "rolezinhos". Ser ou não ser politicamente correto não é nem deve ser a questão. O que temos de defender é a integridade física das pessoas que frequentam locais públicos ou privados de uso coletivo.
Também não se pode deixar de lado evidências como o fato de que grupos de mil jovens ou mais (independentemente da classe social, credo ou bairro) em espaços inadequados podem provocar se não depredações e agressões, como já ocorreu, sustos, correrias e atropelos.
A sociedade demanda códigos e padrões de comportamento para que os direitos de todos sejam assegurados. Da mesma forma que não se deve andar de skate em hospitais nem conversar durante um espetáculo, não é aceitável superlotar casas de eventos para não se repetirem tragédias como a da boate Kiss. Em recintos fechados, não é razoável dar margem a tumultos que ponham em risco a segurança das pessoas.
A liberdade de marcar encontros pela internet é uma novidade que demanda cuidados. Uma chamada pode reunir 20 ou 20 mil pessoas. Como controlar uma multidão sem um mínimo de planejamento e organização? Em São Paulo, qualquer evento que reúna determinada quantidade de pessoas, por lei, exige ação da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), do Corpo de Bombeiros, do Samu (Serviço Atendimento Médico de Urgência) e da Polícia Militar.
Eventos sem as medidas de cautela necessárias podem provocar desastres. Como esvaziar um shopping lotado em caso de incêndio? Em caso de tumulto, como evitar acidentes com pessoas mais velhas ou com alguma deficiência? Como proteger as crianças? Como prevenção, é preciso, com bom senso, coibir aglomerações e correrias em qualquer local sem a estrutura necessária.
Ou seja: seu "rolezinho" termina onde começa o do outro, pois a liberdade de cada cidadão é delimitada pela dos demais.

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